Ou: “Apagando uma fogueira, mas não o incêndio”.
ATENÇÃO: Contém spoilers críticos. Caso ainda não tenha lido a história e
não queira saber de seus detalhes, NÃO leia este artigo.
Casos perdidos: Um psicopata chamado James Gordon Jr.
Essa história foi publicada nos EUA no decorrer das edições 871 a 881 da
revista Detective Comics, e no Brasil saiu pela Panini em A Sombra de
Batman 19 a 22. (A última antes do reboot). Concomitante aos eventos
apresentados, ocorreram também os fatos da história que era publicada
como apoio no final de cada edição, e embora funcionasse de maneira
independente, refletia os acontecimentos da história principal e vice
versa. As duas histórias saiam juntas em cada edição, escritas por Scott
Snyder. Espelho Negro desenhada por Jock, e Casos Fantasmas por
Francesco Francavilla, até um certo momento em que ambos contribuíram na
arte desta última. Casos Fantasmas é mais focada no comissário Gordon e
sua família, e será o alvo dessa resenha.
Richard Grayson é Batman. Ainda é apesar do recente Retorno de Bruce Wayne.
Dentro dos eventos de Espelho Negro, Batman investiga o misterioso
Mercador que promove leilões de armas e elementos dos vilões de Gotham
para milionários entediados em um lugar conhecido como “Casa dos
Espelhos”. Entre os itens, é possível adquirir os soros mutagênicos que
deram origem ao Crocodilo e ao Morcego Humano, gás do riso e do medo,
armas congelantes, sementes de crescimento instantâneo e chapéus
controladores de mentes, além de alguns itens raros, como o suposto pé
de cabra com o qual o Coringa matou o Robin.
O que se passa na mente de um psicopata?
De forma bem simples? Sabe aquela pessoa mal humorada, ríspida,
agressiva, grossa… ela não é um psicopata. Psicopatas são gentis e
ordeiros, dizem o que queremos ouvir, usam uma máscara de bondade e são
nossos melhores amigos. Muitas vezes só é possível identificar um
psicopata quando nossa garganta já está jorrando sangue…
O comissário de policia de Gotham é acordado no meio da noite pelo
detetive Harvey Bullock que pede que eles se encontrem com no aviário
municipal da cidade. O que parece ser um crime de crueldade contra
animais, justo na semana quando uma comitiva estrangeira está prestes a
visitar o local, acaba se mostrando uma situação ainda mais insidiosa do
que um mero ato politico. Harvey mostra ao comissário as câmeras de
segurança do lugar, onde é possível distinguir a imagem de James.
Quem é James Gordon Jr?
Filho do primeiro casamento do comissário, ficou morando com a mãe
depois do divórcio. sempre foi uma criança difícil, frio e aparentemente
incapaz de demonstrar sentimentos. Alguns “acidentes” terríveis
acontecem com as pessoas quando ele está por perto… mas nunca ficou
provado que ele fosse o responsável. Ele é um monstro ou só uma criança
incompreendida?
A arte de Francesco Francavilla lembra muito o traço de David
Mazzucchelli em “Batman ano um” de Frank Miller. Essa história foi
marcante para o filho do comissário, pois nela ele, ainda um garoto, é
sequestrado por policiais corruptos do departamento de policia de
Gotham, e salvo por Bruce Wayne. Mas a história de James estaria longe
de terminar naquele capítulo.
De volta aos tempos atuais, o comissário decide procurar sua filha
Bárbara, e falar sobre a possível presença de James na cidade. Durante
muitos anos ela o vigiou, mas ele sempre consegue desaparecer, sumir sem
deixar rastros. Cicatrizes feitas há muito tempo começam a ser
reabertas.
“Só existem duas coisas que me dão pesadelos. Uma é aquela porta… aquela porta se abrindo, e a arma. A outra é o James”.
Bárbara Gordon
James aparece diante de seu pai numa cafeteria, e numa conversa franca,
admite que é um psicopata. Mas ele não encara isso de forma pejorativa, e
sim como um diagnóstico médico. James admite que nunca foi um bom
homem, e que já machucou muitas pessoas, mas nunca matou ninguém. Há uma
mancha de ketchup em sua blusa, e ele diz que matou a garçonete e
enfiou sua cabeça no vaso sanitário do banheiro feminino. Mas é uma
piada, afinal é apenas ketchup. James está tentando se socializar, mas o
humor nunca foi seu forte. Ele está procurando ajuda, inscreveu-se num
programa experimental de uma nova droga capaz de amenizar e controlar os
efeitos do transtorno de personalidade antissocial.
Começa a escapar um vazamento de água pela fresta da porta do banheiro feminino.
James pretende começar a trabalhar na clínica da Dra. Leslie e pede
apenas que seu pai interceda a seu favor com os Wayne para que eles não o
impeçam… tudo o que James quer é ser deixado em paz e seguir com sua
vida. Ele vai embora e deixa seu pai dividido entre condenar ou dar uma
chance.
Dentro do banheiro feminino, alguém havia esquecido a torneira da pia aberta, que transbordou.
Há vários anos atrás, quando James e Bárbara eram crianças, o comissário
e sua esposa Sarah os levaram para uma pousada de férias. Lá a amiga de
Barbara, Bess, debochou do menino franzino com óculos de fundo de
garrafa. As meninas tinham um kit de ciências que só podia ser aberto
quando estivessem juntas, como parte de um acordo feito por elas. A
chave, com um chaveirinho em forma de morcego ficava com Bess, e o kit
com Bárbara.
Naquele verão, Bess desapareceu e nunca mais foi encontrada.
O comissário flagrou James brincando com o kit de ciências.
- Como conseguiu abrir esse kit, James?
- Como assim, pai? Eu usei uma faca. Uma velha e simples faca…
A droga experimental atualmente testada em James é chamada de diaxamina…
em termos leigos, ela pode estimular certas áreas do cérebro de um
psicopata, fazendo-o nutrir empatia pelas pessoas, e passar a se
importar com elas.
Dick Grayson se encontra com James a pedido do comissário. Ele diz que
vem sentindo-se muito bem e até mesmo está reatando velhas amizades de
infância… perdoando aqueles que praticaram bullying contra ele.
Dick vai embora satisfeito, deixando James seguir seu rumo… ele vai até a
casa de um antigo amigo de infância, pega sua correspondência e entra.
No porão… o pobre coitado está amarrado e pendurado. James se aproxima
calmamente com um serrote.
- Onde nós paramos?
O homem já teve seus braços e pernas mutilados.
O comissário visita James na clínica da Dra. Leslie e rouba uma cápsula
da droga experimental usada por ele. Ele pede que Bárbara examine os
componentes da droga e compare com o resultado dos exames de James
feitos por Leslie em todos os seus voluntários. Bárbara descobre que as
substâncias foram adulteradas… e que James inverteu os efeitos de sua
fórmula. Em vez de refrear os distúrbios antissociais de um psicopata,
essa droga é capaz de provocar numa pessoa sã o mesmo distúrbio,
tornando-a um psicopata.
James havia se oferecido como voluntário para um programa de nutrição
infantil. Se ele administrar essa droga em grandes quantidades na
papinha dos bebês, o efeito pode ser irreversível, concedendo a cidade
uma nova geração de psicopatas para o futuro…
Ao mesmo tempo, o Coringa foge mais uma vez do Asilo Arkham.
O comissário liga para a mãe de James, Bárbara (sua primeira esposa, não
confundir com sua filha que tem o mesmo nome) e pede que ela fique em
casa e aguarde apoio policial… o Coringa tem um histórico de atacar os
familiares do comissário… sua filha foi aleijada, e sua segunda esposa
foi morta pelo palhaço. O comissário Gordon vai até o encontro de sua
ex-esposa, mas é tarde, ela está catatônica no chuveiro, com um sorriso
macabro no rosto. Foi infectada pela toxina do Coringa. Imediatamente
levada ao hospital, onde o antídoto é administrado, ela sobrevive, mas
fica em coma.
Bárbara Gordon, por outro lado, é surpreendida por seu meio irmão James.
Ela é atacada e acorda horas depois em outro lugar. James está lá, e
trava com ela um dos diálogos mais instigantes dos quadrinhos recentes… e
a prova de que é possível aterrorizar uma pessoa usando apenas
palavras. James revela que, certa vez, quando era adolescente, seu pai o
colocou numa cela no Arkham para lhe ensinar uma “lição”. Acontece que
essa cela ficava perto da cela do Coringa… e na verdade eles se deram
muito bem. James riu das piadas dele e até mesmo contou muitas coisas ao
palhaço… na verdade, contou tudo a ele… tudo sobre as suas vidas… tudo
sobre sua meia-irmã Bárbara, que parecia estar crescendo rápido demais,
correndo rápido demais, tentando provar algo a si mesma… tentando ser
uma heroína. Ele comentou que seria até bom para ela parar um pouco e
descansar… parar, numa bela e confortável… cadeira. James revelou o
endereço dela e todos os detalhes… mas não esperava que ele fosse lá
mesmo… certo?
Ou talvez seja tudo mentira, apenas uma piada de mau gosto que ele esteja pregando nela…
Mas a verdadeira piada macabra estava escondida embaixo do lençol que
cobria as pernas de Bárbara. James o removeu… e só então percebeu as
duas facas cravadas em suas pernas… perfeitamente fincadas… porém, se
removidas, capazes de gerar um sangramento que a faria agonizar até a
morte…
A outra Bárbara, mãe de James, acorda no hospital e revela a verdade
terrível: não foi o Coringa que a atacou, mas seu próprio filho. Ele
usou o toxina do Coringa, adquirida no leilão da Casa dos Espelhos com o
Mercador, lá na edição 871 de Detective Comics, onde tudo começou.
A conversa de Bárbara e James é levada ao extremo, eles sabem que só um
poderia sair vivo dali. Em um momento de distração, ela consegue se
esconder, fazendo-o ir a sua procura. Ela o ataca usando uma das facas
que estava cravada em sua perna, ferindo-o no rosto, mas agora ela tem
um sangramento que a deixa com poucos minutos de vida. Batman consegue
chegar ao local após rastrear um microchip de gps aplicado na pele de
James quando ele encontrou-se com Dick. Ele podia ter até ter dado um
voto de confiança… mas isso não significaria deixar de tomar algumas
precauções. Enquanto Batman cauteriza o ferimento de Bárbara, James
escapa, mas o comissário o espera do lado de fora do prédio, tendo sido
avisado por Dick sobre a localização de sua filha. Ele atira nas pernas
de James, que fica prestes a cair do parapeito do prédio, mas é amparado
por seu pai que promete cuidar dele desta vez…
James é preso, mas as consequências de seus atos continuam assombrando aqueles que passaram pelo seu caminho.
Em conversa com Dick Grayson, o comissário Gordon constata que se James
tiver cumprido sua ameaça, ele já havia administrado a droga
experimental no alimento dos bebês tempos atrás, e sendo assim, não é
mais possível identificar os traços da substância nas crianças. Não há
como saber se realmente ele fez isso… se transformou essas crianças numa
nova geração de psicopatas… apenas o futuro dirá que tipo de cidadãos
estarão transitando pelas ruas de Gotham no futuro…
Por Rodrigo Garrit
Originalmente publicado no Santuário.
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