Entre 1812 e 1822 uma fábula compilada pelos famosos
Irmãos Grimm, responsáveis por grande parte dos contos de fadas que conhecemos até hoje, protagonizada por uma garota de “
cabelos negros como ébano, lábios vermelhos como sangue e pele alva como a neve” foi publicada. Surgia uma das primeiras menções a história de “
Branca de Neve“.
Com versões que variam de acordo com o país, a intenção ou oralidade, a
origem do conto é controversa, sendo a interpretação dos Irmãos a mais
conhecida e divulgada. Acompanhando essa variabilidade, suas adaptações
para o cinema – que são realizadas desde 1902 – também contém
particularidades, embora não tantas quanto as do longa de
Rupert Sanders, o aventureiro
“Branca de Neve e o Caçador”.
Nesta nova variante, Branca de Neve é feita refém por sua madrasta
durante anos e, quando consegue escapar, é perseguida pelo caçador Eric,
contratado pela Rainha Ravenna para encontrá-la. Contudo, após
descobrir os motivos da fuga e reais intenções da rainha quanto à
prisioneira, o honrado homem passa a auxiliá-la em sua fuga, iniciando
uma jornada que envolve perigos, batalhas e seres mágicos. Seguindo essa
premissa, a produção dirigida por Sanders difere extremamente do
clássico conto, abandonando certas passagens da trama original enquanto
abrange situações que visam tornar sua protagonista um pouco mais
contemporânea, algo que seria genial se não falhasse categoricamente.
O principal motivo da ineficácia do filme é seu roteiro, responsável
pela ridicularização de grande parte do elenco e ausência de momentos
épicos que, embora não sejam estritamente necessários, são insinuados no
decorrer de toda a narrativa.
O texto trabalhado por
Evan Daugherty, John Lee Hancock e
Hossein Amini além de abusar dos clichés habituais em filmes de aventura onde o papel feminino “
deve”
ser destaque – alterando completamente a história clássica envolvendo a
maçã e incluindo uma rebelde princesa em busca de vingança que emana
esperança motivando uma rebelião -, procura trabalhar uma dramaticidade
extremamente sobeja em cenas onde ela seria perfeitamente descartável.
Por exemplo, é compreensível que a vilã deve ser obsessiva e incontida,
mas a busca por exibir emoção em cada take é tão cansativa e exacerbada
que consegue reduzir a presença singular de
Charlize Theron à
uma persona digna de um dramalhão mexicano. Fora isso, o caráter dos
outros personagens é inconstante, ao ponto de uma mesma figura hora
mostrar-se honrada, hora desvirtuar-se completamente daquilo à que se
propôs, hesitação que prejudica, sobretudo, a imagem do caçador,
interpretado pelo duvidoso
Chris Hemsworth.
Enquanto há exagero na formação destes personagens, o que dificulta
qualquer identificação com a protagonista, entregue à desacreditada e
nem sempre incompetente
Kristen Stewart, é justamente a falta
de vivacidade e atenção cedida à sua Branca de Neve. Com um
desenvolvimento leviano e polido, aquele que deveria ser o ingrediente
essencial para os momentos de aventura no filme, funciona de modo
oposto, emitindo fragilidade e descrença toda vez que precisamos contar
com algum heroísmo em cena.
Mas
“Branca de Neve e o Caçador” não é moldado
somente com erros, visto que todos os quesitos visuais do filme são
estupendos. Seja a parte de arte, a concepção dos cenários, a animação
dos seres criados em conjunto aos efeitos especiais, o figurino – que
capta melhor a personalidade dos personagens do que os próprios atores –
ou mesmo a maquiagem, tudo é uma grata surpresa, contando com atrativos
dignos de admiração.
Fora isso, poder conferir a incrível interação entre os anões interpretados por
Ian McShane, Eddie Izzard, Bob Hoskins, Toby Jones, Eddie Marsan, Ray Winstone e
Nick Frost
é sensacional. Cabe à pequena participação destes grandes atores os
melhores momentos da projeção, os poucos que geram alguma satisfação.
Dito isso, é triste constatar que o filme seja construído com base em
extremos, percebido que os atributos que o prejudicam, o tornam
praticamente insuportável; mas os que o qualificam, fazem a experiência
de presenciá-los algo prazeroso. Cabe ao espectador balancear se vale à
pena tentar bloquear uma experiência vergonhosa para testemunhar outra
magnífica; se deve estar à mercê de algo embaraçoso para arriscar
maravilhar-se com algo visualmente soberbo – característica que, com as
possibilidades atuais, não devia ser eventual.