quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Gen Pés (ADEUS)


Faleceu no dia 19 de dezembro de 2012 o cartunista e Humanista Keiji Nakazawa. Ele tinha 73 anos e sofria de câncer.
Em 1945 Keiji Nakazawa era uma criança que vivia em Hiroshima durante a Segunda Guerra quando a cidade foi atingida por uma bomba atômica. A experiência dantesca de Nakazawa é narrada no mangá Gen – Descalços, alter ego do autor que, de um menino que não compreendia a guerra foi atirado no meio de um inferno nuclear sem precedentes e perdeu quase toda sua familia.
Lembro que quando eu peguei emprestado do meu primo o primeiro volume do Gen Pés Descalços pra ler eu achei muito tocante, dramático, envolvente, além de uma grande aula de história, mas bem exagerado em vários pontos com situações que extrapolavam o surreal. Nada me preparou para o que estava escrito no prefácio (ou posfácio, não lembro agora) da obra.
Tudo aquilo era real.
                                           
TUDO aconteceu mesmo, seja com o próprio Keiji Kakazawa ou com pessoas que ele conheceu. TUDO. O pai pacifista que era contra a guerra e a família sendo marginalizada pela sociedade japonesa, a tensão dos ataques aéreos, o irmão que virou kamikaze e se arrependeu, a explosão com o calor de mil sóis, as pessoas derretando como zumbis no meio da rua, o cavalo pegando fogo, a morte de metade da sua família presos nos escombros em chamas do que restara da sua casa, quando ele entrega o barco de brinquedo pro irmão antes dele morrer carbonizado com a irmã e o pai, o parto da irmã caçula no meio daquele inferno, os incontáveis feridos e amputados que não conseguiam nem morrer, a velhinha em prantos tacando pedras no cadáver do soldado americanoque estava preso numa cadeia da cidade e também foi vítima da explosão, a proliferação das moscas pelo calor, as larvas que se multiplicavam dentro dos corpos das pessoas machucadas, a maldição da radiação sobre os habitantes da cidade, a estupidez doImperador Hirohito e a crueldade das autoridades norte-americanas que ainda enviaram uma SEGUNDA bomba a Nagasaki, a miséria que assolou as duas cidades por anos, osósia do irmão morto dele que foi vítima da criminalidade que tomou conta da região, a irmãzinha que foi usada como objeto levada para consolar várias famílias que tinham perdido seus filhos pequenos… a cena em que ela morre de fome nos braços de Genquando ele finalmente consegue alimento pra ela…
Era difícil de acreditar, mas toda aquela penosa história aconteceu DE VERDADE. Não saía da minha cabeça COMO uma pessoa passou por TUDO AQUILO… e ainda estava aquicontando a sua história. A leitura dessa obra mexeu bastante com a minha visão de mundo e de todas as pessoas que eu conheço que já leram também.
Quando cresceu e começou a fazer mangás, o autor acreditava que eles deveriam tratar de temas como esportes e entretenimento.
“Eu queria apenas esquecer os horrores de tudo aquilo. Quando me tornei cartunista, a última coisa sobre a qual queria escrever era sobre aquilo. Eu odiava a simples menção da palavra e achava que quadrinhos eram pra se divertir.
Até o dia em que – muitos anos depois da tragédia – sua mãe morreu de câncer. Era um costume das famílias japonesas (que inclusive é mostrado no mangá) cremar o corpo dos parentes para conservar os ossos. Isto não pôde ser feito com a mãe de Keiji Nakazawa. Ereacendeu sua indignação contra a bomba atômica.
“Minha mãe morreu padecendo de uma série de diferentes enfermidades, sua vida havia sido um sofrimento constante após a bomba. Quando seu corpo foi cremado, descobri algo que me fez tremer de raiva: não sobrara nada de seus ossos. Geralmente os ossos resistem à cremação, mas o césio radioativo tinha devorado o esqueleto de minha mãe… A bomba atômica tinha tirado tudo de mim, até os ossos de minha querida mãe. O ódio ferveu dentro de mim e pela primeira vez eu me confrontei com a bomba”
Ele usou então sua Arte como uma forma de expandir a consciência das pessoas sobre o risco da energia nuclear e do seu uso como armamento. Gen foi o primeiro mangá usado em escolas no Japão e depois no resto do mundo como material educacional. O autor costumava dar palestras ao redor do planeta falando sobre sua obra e procurava passar uma mensagem pra Humanidade.
Seria bom que todos ouvissem o que ele tem a dizer. Keiji Nakazawa morreu, maspermanecerá eterno nas páginas de uma das histórias em quadrinhos mais emocionantes de todos os tempos. Abaixo uma das adaptações em forma de animação de Gen Pés-Descalços, que não tem 1/5 da dramaticidade do quadrinho, mas vale muito a pena conferir.
 

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