quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Mitos Cinematográficos: Filmes do Stanley Kubrick São Unânimes


Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra. Eu digo que ela simplesmente não existe. É pura ilusão. Ninguém pode realmente agradar todo mundo. Nem mesmo um gênio como Stanley Kubrick.
Pegue Laranja Mecânica, de 1971, como um exemplo perfeito. Alguém já falou mal do filme pra você? Provavelmente não. Ele foi dirigido por um dos maiores diretores do mundo, Kubrick, conta com uma das maiores e mais viscerais interpretações da história, Malcom Macdowell como Alex, tem uma puta história sobre a violência na sociedade, sobre delinquência juvenil, sobre como o sistema corrompe o indivíduo, entre outros temas. Mas pelo menos um pessoa não gostou. Anthonny Burgess, nada mais, nada menos que o AUTOR DO LIVRO LARANJA MECÂNICA.
Revoltado por Kubrick ter simplesmente cortado o final da obra original de 1962 – em queAlex amadurecia e começava a se questionar sobre os rumos de sua vida – Burgess inventou uma forma bastante criativa pra se vingar. Ao adaptar Laranja Mecânica como peça de teatro ele bolou uma cena que não havia no livro – e muito menos no filme – aonde a gangue de Alex espanca na rua… O CINEASTA STANLEY KUBRICKHUAHUAHIUAHIUA!!!!!!!!!
Aliás, boa parte da genialidade de Laranja Mecânica é mérito do Anthonny Burgess, ainda que popularmente os louros muitas vezes recaiam sobre o Kubrick. O escritor não só criou a história e a crítica sócio-política como bolou toda aquele idioma singular falado pelos droogs. O longa sofreu fortes censuras em países como o Brasil – em plena ditadura militar – tendo as genitálias femininas cobertas por tarjas pretas.
Irritado com as críticas sobre o conteúdo violento da obra no Reino Unido, Kubrick mandou tirar o filme de cartaz decidido a que ninguém mais o visse até sua morte, coisa que felizmente não aconteceu. Isso não impediu que livro e filme se tornassem parte do folclore da cultura pop moderna. Impossível não ver influência de Laranja Mecânica em Crise de Identidade, por exemplo, a melhor HQ que eu já li sobre os heróis da Liga da Justiça.


Em 1975 o diretor lançou um dos seus filmes mais “difíceis” e, segundo Martin Scorcese, o melhor trabalho dele, mas que também não foi muito bem recebido no seu lançamento, Barry Lyndon. Inegavelmente é um primor de técnica. A cena a luz de velas é maravilhosa – Kubrick conseguiu uma lente da NASA pra filmá-la – e a fotografia ganhou o Oscar, mas a narrativa émonóóóótona (pra mim o filme é MUITO mais arrastado que o 2001) e ainda conta com oRyan O’Neal numa interpretação que… vamos falar sério, ele não interpreta no filme. Pra se ter um idéia, Keanu Reeves poderia tranquilamente protagonizar um remake que seria bem fiel ao original nesse quesito.
O’Neal teve bons papéis no cinema, mas tinha limitações naquela época. Evidentemente ele não era a pessoa mais indicada pra esse projeto ou pro estilo do Kubrick e Barry Lyndon é sem dúvida a obra do diretor com a pior atuação de um protagonista. Agora imagine ver um longa extremamente lento e meditativo com o herói fazendo cara de paisagem o tempo inteiro.
Segundo o blog do Luis Carlos Merten a crítica Pauline Kael disse que se tirassem as piadas e a alegria de As Aventuras de Tom Jones o resutado seria Barry Lyndon., e que Kubrick se limitara a filmar objetos de arte para tornar seu filme chique. As Aventuras de Tom Jones é filme de época dirigido por Tony Richarson em 1963, com um tema parecido – as aventuras de um alpinista social e amante – com um ator muito melhor como protagonista,Abert Finney.


Já com outro filme O Iluminado de 1980, que é considerado hoje clássico e obra-prima, ocorreu algo inusitado. Eles foi indicado a uma premiação, mas não ao Oscar. Graça ao longa, Kubrick concorreu AO FRAMBOESA DE OURO DE PIOR DIRETOR e Shelley Duval ao de Pior Atriz. Segundo o Mario Abadde falou uma vez no podcast Vortex Cultural, o próprio Kubrick dizia que aquele foi o pior roteiro com que ele já trabalhou na vida.
O autor do livro, Stephen King, mais uma vez não se agradou da adaptação feita por Kubrick. Acredito que o principal motivo de insatisfação do escritor é que a relação entre pai e filho foi totalmente modificada por Kubrick. Quando King pode, produziu uma mini série para a televisão em 1997 com uma versão segundo ele mais fiel ao original e essa sim é um terror… de tão ruim.


Outro longa-metragem incompreendido na época de seu lançamento foi 2001 – Uma Odisséia no Espaço, que dividiu crítica e público e apenas com o tempo tornou-se um cult. Dizem que na primeira sessão pra convidados Rock Hudson se levantou no meio da projeção e soltou:
“Alguém pode me dizer do que se trata isso?”

Nesse caso, porém não ouvi conflitos com o autor do livro. Arthur C. Clarke foi co-autor do roteiro, o transformou em romance e, com o sucesso do longa metragem, escreveu outros livros continuando a história. Um deles até gerou outro filme, 2010 – O Ano em Que Faremos Contato. Mas a genialidade de 2001 em todas as suas idiossincrasias é muito mais mérito do Kubrick, tanto que boa parte da crítica considera tanto este como Dr. Fantástico de 1964 – que conta com uma interpretação arrebatadora do Peter Sellers – as maiores obra-primas dele.


Entre os atores, ainda assim, o perfeccionismo de Kubrick também não o tornava muito popular. Em Nascido Para Matar, 1987, o cineasta perguntou quem do elenco estaria disposto a morrer cedo na trama… e quase todo mundo levantou a mão. Consta que o impacto da obra foi bastante diluído na época do lançamento por ele ter sucedido filmes similares, no casoGritos do Silêncio de Roland Joffé e especialmente Platoon de Oliver Stone.
Malcown Macdowell sofreu nas mãos do diretor. O ator arranhou a retina e quase ficou cego ao interpretar Alex em Laranja Mecânica – na cena do Processo Ludovico o médico que acompanha Alex era médico de verdade para zelar pelo bem-estar dele – e Kubrick só pôs uma cobra numa cena do filme porque Macdowell tinha medo do animal. Por desentendimentos com Marlon Brando o cineasta também abandonou a produção de A Face Oculta, em 1961, que seria seu único western.


Exatamente por essas e outras Stanley Kubrick foi único… além dos citados ele também dirigiu grandes filmes como Spartacus, Glória Feita de Sangue, A Morte Passou Perto, O Grande Golpe e Lolita, fora filmes menos conhecidos do começo de sua carreira e seu último longa, De Olhos Bem Fechados… mas usar sua obra como exemplo de unanimidade ou de um trabalho incontestável conforme se faz internet afora é pura balela. Mesmo quando morreu, em 1999, ele era algumas vezes mais lembrado por sua excentricidade que por seu talento. Acredito que os primeiros a reconhecerem sua genialidade foram seus pares. Steven Spielberg disse:
“Ele não copiou ninguém, enquanto todos nós corríamos para imitá-lo.”
Confira abaixo um video mostrando o chamado “ponto de fuga”, encontrado em diferentes filmes de Kubrick, onde ele conseguia transmitir exatamente a perspectiva que queria para o público.

Nenhum comentário:

Postar um comentário