terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A anatomia dos vilões


por Velho Quadrinheiro
O que faz esse sujeito ser o que é? Como ele se torna um “agente do mal”? Como foi possível que o vilão nascesse em primeiro lugar?

Eles são sórdidos. Cruéis. Trapaceiros. Dissimulados. Torpes. Violentos. Têm ares refinados, elegantes. Mas seus atos são repugnantes. A atrocidade é seu ofício. Eles são a prova de que o mal tem forma, vive e respira, como qualquer um. Eles agem por impulsividade e convicção. Eles são os vilões, os agentes do infortúnio e da desgraça.

Não basta olhar, tem que cutucar
Claro, do seu ponto de vista.
O que faz esse sujeito ser o que é? Como ele se torna um “agente do mal”? Como foi possível que o vilão nascesse em primeiro lugar?
Óbvio, não dá pra colocar todos os vilões num mesmo balaio. Há lá suas diferenças de filo, gênero, morfologia e classificação. Não dá pra alinhar um Coringa e um Lex Luthor, por exemplo.
O Coringa, assumidamente, é um pirado absoluto, age por um impulso doentio, primitivo, desligado das regras sociais, está além de qualquer redenção ou cura. Chamemos de vilão primal.

Já Luthor é um “mastermind”, um estrategista, um sujeito racional, adulto e perfeitamente consciente das consequências dos seus atos, por isso mesmo tão… vilão. O chamemos de vilão convicto.

Os dois tipos, em suas infinitas versões, definem os heróis. A estatura e poder dos heróis é determinada pelo desafio representado em seus vilões. Pense aí no que é o Wolverine senão aquele que vive para enfiar porrada no animal do Dentes de Sabre. Ou então no Surfista Prateado, cuja existência é dedicada a impedir que Galactus devore planetas dotados de vida.

Vilões primais são relativamente fáceis de entender (e poucos para se enumerar). Além de serem incompreensíveis (para nós) o passado deles é quase irrelevante na hora de apontar o significado de suas ações. Não nos damos ao trabalho de questionar e nem isso se faz necessário; os vilões primais precisam ser contidos pelos heróis e ponto final. Nessa categoria, sem pensar muito, colocaria-se:
Coringa
Harley Quinn
Cheetah
Galactus (Galen!)
Dentes de Sabre (Victor Creed)
Carnificina (Cletus Kasady)
Star Saphire
Doomsday
Homem-Invisível
Duende Verde
Legião (David “Xavier” Haller)
Abominável (Emil Blonsky)
Sem cuidado poderia-se colocar todos os detentos do Asilo Arkham na lista acima mas escaparia a uma certa lógica. Nem todos são tão descontrolados como o Coringa. Os vilões primais são uma espécie de conduíte de uma força caótica maior, não a força caótica em si.
As ações que realizam não vão muito além de breves intenções. Não há planos ou projetos de longa duração, só reações e impulsos. Isso, porém, não quer dizer que a escala de seus atos seja pequena, ao contrário, podem devastar cidades ou obliterar planetas inteiros.
A relação que eles têm com os heróis é quase (ou abertamente) libidinosa; eles têm indisfarçável prazer de enfrentar e submeter os heróis. As atrocidades que praticam, excitam e satisfazem tanto quanto matam e destroem. Tudo ao som de histéricas gargalhadas.

Agora, vilões convictos, estes merecem um cuidado maior…

Eles foram rejeitados, desprezados, ignorados, torturados e trapaceados por meses, anos, décadas ou até séculos. Em algum ponto da vida se divorciaram da humanidade. Rejeitaram fazer parte de um modelo de vida que lhes causava vergonha. Abriram mão das convenções do contrato social. Cansaram de se perguntar “por que eu?”. Cruzaram a linha que separa a fantasia ressentida para a ação genocida. Fizeram da vingança sua missão na vida.
Quase sem exceção, todo vilão convicto não se vê como vilão. Herói da própria história, é, acima de tudo, uma vítima resignada de circunstâncias enraizadas no passado. Para eles, os “heróis” são um obstáculo temporário para um mundo “mais justo”, digno e recompensador.
A “utopia” que pretendem atingir deve surgir em algum momento no futuro, preferivelmente em seu próprio período de vida, mas não imediatamente. Há vários estágios antes de se alcançar o objetivo final (e razão pela qual os criadores das histórias usarem os mesmos vilões tantas vezes).
Mesmo que a recompensa não seja usufruída por ele, o vilão convicto age com fé adamantina. Irredutível em suas opiniões e métodos vive sob a certeza de que seu esforço não será em vão, que outros (ou alguém particularmente) lembrarão e farão jus ao seu empenho.
Os exemplos de vilões convictos são tão numerosos quanto interessantes de se observar. Para ficar em poucos:
Lex Luthor
Loki
Ra’s al Ghul
Arraia Negra
Mandarin
Duas-Caras
General Zod
Abutre
Sinestro
Ozymandias
Dr. Octopus
Espantalho (Dr. Jonathan Crane)
Dr. Luz
Cassandra Nova
Caveira Vermelha
Wilson Fisk (o Rei do Crime)
Dr. Silvana
Dr. Destino (Doom)
Magneto
Ciclope (atualmente)
Thanos
Apocalipse
Vandal Savage
Sr. Sinistro
Darkseid
Mr. Freeze
Os vilões convictos têm a característica de serem austeros, imponentes, monossílabos, melancólicos. Alguns deles sentem genuíno pesar pelas barbaridades que cometem, como Magneto e Dr. Doom.

Outros, não só sentimentais, são passionais e praticam malefícios em nome do amor, como Mr. Freeze (e sua esposa em estado de criogenia) ou Thanos (em cega obsessão por sua amada, a Morte personificada).


Há vilões eugênicos e científicos, como Apocalipse e Sr. Sinistro, velhos rivais dos X-Men. Eles querem acelerar o processo evolutivo e eliminar da Terra o Homo Sapiens Sapiens, dando lugar ao Homo Superior, os mutantes.


Há vilões autoritários, como o Caveira Vermelha, um nostálgico nazista que anseia concretizar o IV Reich nos dias de hoje.

Há os heróis “neo-liberais”, digamos, como o Rei do Crime e Mandarin, cujos empreendimentos ilícitos (tráfico de drogas, armas, sequestros e extorsões) são sempre barrados pela ação dos informais agentes do Estado (ou status quo), Demolidor e Homem de Ferro.


Há vilões convictos que não conseguem escapar de velhas rivalidades e traumas familiares, como Cassandra Nova, irmã gêmea de Charles Xavier (que, sejamos justos, tentou enforcar a irmã com o cordão umbilical ainda na barriga da mãe).

Ou Loki, o irmão adotivo de Thor, que sem poder vencer o irmão pelo afeto do pai, Odin, contenta-se em torturar os habitantes da Terra, reino sob a proteção do Deus do Trovão.

Dê o devido tempo, uma vida de frustrações e verá o nascimento de um vilão convicto. Todos eles, além de tudo, são ex-pessoas perfeitamente normais. Até certo ponto das biografias de cada um, não havia tendência “geno-familiar” que garantisse, sem sombra de dúvida, que eles seriam vilões em algum ponto da vida. Foi uma sequência de fatores ambientais agressivos, algum trauma ou qualquer elemento de violência externa que determinaram aquele “gênio do mal” aflorando no interior desses sujeitos.

Indo além (mas não tão além) dos quadrinhos é fácil encontrar exemplos dessa trajetória. O chefão Michael Corleone, um vilão para todos os efeitos, foi tragicamente puxado de volta às querelas da sua família quando ainda era jovem, por mais que o repugnasse aquele universo.

Darth Vader (e isso fica mais intenso sem assistir os episódios I, II e III) não possui mais nada na vida além de praticar atrocidades em níveis galácticos, enquanto seus momentos privados são reservados a sentir dores de cicatrizes físicas e emocionais de um passado mais terno e promissor. Nostalgia, para ele, é o mais puro sofrimento, só afogado através de mais e maiores atos de violência cotidiana.

A anatomia dos vilões permite, ao gosto do cliente, uma série de classificações, modos diferentes de analisar como foi possível eles existirem. Explicações fáceis para pessoas que não existem, exceto nas histórias que consumimos; a realidade, obviamente, faz sempre menos sentido.
Não há consciência civil nem solidariedade acadêmica, literária ou psicológica que resista muito quando se é vítima de algum tipo de violência; ou então assistir, impotente, ao assassinato de crianças em escolas sem nós mesmos cedermos às fantasias mais vilanescas possíveis. Isso simplesmente não é possível e ninguém está imune.
Nesse sentido é fácil entender como nascem os vilões (o que não é o mesmo que solidarizar com eles). Eles são fundamentalmente (demasiadamente, dizia o alemão) humanos em suas falhas. Escolheram entrar em sintonia apenas e exclusivamente com aquele campo mais sombrio que habita o coração dos homens.
Como denominador comum, se ensina alguma coisa, a anatomia dos vilões mostra que ele surgiu no momento em que desistiu de se perguntar se estava do lado certo.

PS1 – Chama a atenção o número de vilões que possuem doutorado.
PS2- Um filme nada lá genial, mas mostra bem como nasce um vilão é aquele Chronicle. Vale.

Nenhum comentário:

Postar um comentário