Ultimamente tenho ouvido e lido muita coisa sobre Cinema por aí e decidi criar posts específicos esclarecendo algumas coisas que o público brasileiro muitas vezes toma por verdade, mas que não passa de mito.
Hitchcock deve se revirar no túmulo quando alguém escreve ou diz que seu trabalho é um exemplo de cinema artístico. O diretor detestava a noção – já bastante em desuso hoje em dia – de “filme de arte”. Dizia que o tempo de duração de um filme deveria ser proporcional ao tempo que a bexiga humana consegue reter líquido. Isso porque ele fazia filmes pro povão, era extremamente popular e dizem que essa era uma das razões pelas quais os intelectuais torciam o nariz pra ele. Na melhor das hipóteses era visto como competente diretor de gênero.
Mas sempre cagou pra critica, que por sua vez sempre o perseguiu. Até que foi redimido pelos franceses da Cahiers Du Cinema, uma nova geração de críticos e depois diretores – sobretudo François Truffaut – que daria enfim o devido valor ao cineasta inglês, por enxergarem que seus filmes eram de fato obras de arte… mesmo que também fossem um cinema puramente comercial. E mesmo assim eles penaram com a descrença da maioria esmagadora da imprensa especializada para provar a genialidade do Mestre do Suspense.
O próprio André Bazin, editor da revista, achava que havia um grande exagero no “estudo” do estilo de Hitchcock. Porém, foi exatamente desse estudo – não só no Cinema de Hitchcock quanto do de vários diretores conhecidos por filmes comerciais como John Ford, Howard Hawks, Frank Capra etc., mas especialmente no de Hitchcock – que nasceu a Teoria do Autor, a qual diz que em um filme a principal força criativa seria a de uma única pessoa, geralmente o Diretor, o qual seria identificado por determinadas singularidades que distinguiriam suas obras.
O que significa que mesmo num filme de gênero feito dentro de um grande estúdio com milhões de dólares envolvidos poderia haver um viés artístico e o mesmo poderia ser um Filme de Autor tanto quanto uma produção independente de baixo custo… algo que estranhamente mesmo hoje em dia as pessoas parecem ter dificuldade de aceitar.
Durante uma célebre entrevista com Truffaut – que depois virou um livro fantástico – Hitch usa várias vezes a expressão “nossos amigos, os verossímeis” de forma sarcástica. Um excelente momento é quando Truffaut comenta da curiosidade do personagem de James Stewart, espiando os vizinhos em Janela Indiscreta e Hitchcock desabafa:
” Lembro-me de uma crítica sobre isso. Miss Lejeune escreveu, no London Observer, que Janela Indiscreta era um filme ‘horrível’, porque havia um sujeito que olhava o tempo todo pela janela. Acho que não deveria ter escrito que era horrível. Sim, o homem era um voyeur. Mas será que não somos todos voyeurs? “
Quando INVENTOU o Thriller – definitivamente o gênero mais popular do Cinema moderno – com Os 39 Degraus, o diretor explicou ao colega francês:
” Esse gênero de cinema visa suprimir as cenas utilitárias para só conservar as agradáveis de filmar e agradáveis de ver. É um cinema que satisfaz muito ao público e frequentemente irrita os críticos. Enquanto assistem ao filme, ou depois de terem assistido, analisam o roteiro, que naturalmente não resiste a análise lógica. Volta e meia consideram fraquezas as coisas que constituem o próprio princípio desse gênero de cinema, a começar com uma absoluta desenvoltura em matéria de verossimilhança.Em Os Pássaros há uma cena longa no bar onde as pessoas falam de pássaros. Entre essas pessoas, há uma mulher de boina, que é justamente uma especialista em pássaros, uma ornitologista. Está lá por mera coincidência. Naturalmente eu poderia ter filmado três cenas para introduzi-la de modo verossímil, mas essas cenas não teriam o menor interesse.
E para o público seriam uma perda de tempo.
Não só uma perda de tempo. Mas seriam como buracos no filme. Buracos ou manchas. Sejamos lógicos: se você quiser analisar tudo e construir tudo em termos de plausibilidade e verossimilhança, nenhum roteiro de ficção resiste a essa análise e você só poderia fazer uma coisa: documentários.
É bem verdade. O limite do verossímil é o documentário.”
Os 39 Degraus conta a história de Richard Hannay (Rober Donnat), um humilde cidadão que, de férias na Inglaterra, se envolve com uma misteriosa mulher, a qual esconde um segredo deespiões internacionais, os tais 39 Degraus.
Incriminado injustamente, Hannay passa o filme inteiro correndo de um lado para o outro tentando solucionar o mistério e salvar toda a Inglaterra, se envolvendo com mulheres, confusões, tiroteio e perseguições. Um marco na carreira de Hitchcock (o melhor trabalho da sua fase inglesa antes de ir pra Hollywood) e o “pai” de uma porção de filmes de gênero que surgiriam nas décadas posteriores, desde os primeiros 007 até os filmes policiais de ação dos anos 80.
Além disso, também é um documento histórico que contraria frontalmente qualquer idéia preconceituosa de quem acredita que blockbuster não pode ser ao mesmo tempo umarepresentação artística de valor.
Então, se você prefere enxergar as qualidades que os defeitos dos filmes, curta aí Os 39 Degraus COMPLETO:
Então, se você prefere enxergar as qualidades que os defeitos dos filmes, curta aí Os 39 Degraus COMPLETO:
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